segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

«Uma linha ténue...»

«Se não esperarmos nada, nunca nos sentiremos decepcionados.
À excepção de certos poetas idealistas ou de alguns monges que vivem no cimo de montanhas, todos acalentamos expectativas. Não só as temos como precisamos delas. São um estímulo para os nossos sonhos, as nossas esperanças e as nossas vidas, são como uma bebida energética com uma dose acrescida de cafeína. Charlotte podia ter deixado de viver, mas não deixara de sonhar, embora tivesse fortes suspeitas de que os seus sonhos permaneciam eternamente em suspenso.»

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Lançamento a 11 de Março

Charlotte regressa para assombrar as livrarias portuguesas a partir de 11 de Março.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Exclusivo! Excerto de «O Regresso»

«A sua morte por asfixia com um urso de goma em plena sala de aulas mudara tudo, é certo, mas nem tudo era mau. A morte, muito mais do que a vida, fizera-a crescer como pessoa. Com os colegas de turma do Ensino para Mortos e o professor Brain, um homem solidário e compreensivo, aprendera a dar valor ao trabalho em equipa, ao altruísmo e ao sacrifício. Chegara mesmo a ir ao Baile de Outono com Damen, o rapaz dos seus sonhos.
Até certo ponto, pelo menos. Mais importante, porém, fora ter descoberto uma grande amiga e uma alma gémea em Scarlet Kensington, uma ligação por que ansiara ao longo de toda a sua vida. Realizara a passagem com satisfação, cheia de esperança e expectativas. Porém, o seu futuro, que durante um minuto se lhe apresentara radioso, surgia-lhe agora cada vez mais como um beco sem saída. Decididamente, o Outro Mundo não era como Charlotte imaginara. Ao invés de um paraíso, assemelhava-se mais ao dia a seguir ao Natal. Todos os dias. Começou a fazer uma lista do que «devia» ter acontecido, mas não acontecera.
Não vira portas feitas de pérolas. Não ouvira o som de harpas. Tudo o que encontrara fora mais trabalho.
Lembrava-se de que, à chegada, os alunos do Ensino para Mortos haviam permanecido fechados numa sala de espera vazia e monocromática, uma espécie de cela prisional só que sem as grades. Era um espaço imponente em tudo diferente do encanto duvidoso do gabinete de admissão do Liceu Hawthorne. Os colegas foram chamados um por um e conduzidos até uma porta de aço de aspecto anódino. Tal como acontecia em vida, Charlotte fora a última a ser chamada.
– Usher – chamara por fim o senhor Markov, que usava óculos com armação de tartaruga e vestia um fato de corte prático e confortável –, Usher, Charlotte.
– Presente! – respondera, feliz por alguém finalmente ter chamado o seu nome, preocupando-se em pronunciá-lo correctamente.
– Óptimo – ripostou num tom seco que afectou de modo considerável a boa disposição de Charlotte. – Tivemos alguns problemas técnicos com as linhas e quisemos certificar-nos de que tudo estava em funcionamento para que pudessem começar de imediato.
– Começar? Começar o quê?
Charlotte sentia-se cansada de começos e estava decidida a pôr-lhes termo. Queria parar de aprender, de trabalhar, de desejar. Tudo. Sem lhe dar resposta, o homem conduziu-a até ao espaço seguinte: uma divisão repleta de cubículos rectangulares e telefones todos iguais. Contemplou-a por breves instantes sem compreender exactamente o que via. O lugar e todos os que nele se encontravam pareciam ser a cauda de algo que estivera vivo mas era agora uma massa inerte e embalsamada, quase uma peça de museu. Havia muito pouco para ver. Era tudo tão… desinteressante.
– Será que Deus tem um canal de televendas? – gracejou, timidamente.
Passeou os olhos pela divisão e alguns pormenores atraíram a sua atenção. Todos os seus colegas de turma tinham uma secretária e um telefone, restando um único lugar vago. Os alunos do Ensino para Mortos já estavam sentados e sentiu-se contente por terem conseguido chegar até ali todos juntos, fosse onde fosse esse «ali».
Markov deu início à sua palestra. Era mais um discurso de boas-vindas, embora estivesse longe de ser tão franco e interactivo como o que proferira o professor Brain quando haviam entrado no Ensino para Mortos. Este homem fazia lembrar mais um sargento instrutor do que um guru.
– Tudo o que aprenderam – anunciou Markov – trouxe-vos até aqui.
O tom da sua voz não lhes permitia saber ao certo se deviam ou não sentir-se orgulhosos.
– No entanto, estar aqui não é o mesmo que estar lá. O agora não é o antes – disse.
– O que é isto? – Charlotte perguntou a Pam em voz baixa.
– Segundo parece, terminámos o secundário e agora temos de fazer um estágio – sussurrou Pam do seu posto.
– Este é o sítio onde serão postos à prova, onde terão de aplicar os ensinamentos que receberam – prosseguiu o senhor Markov.
– É um call centre com transmissão via satélite – alvitrou Prue.
– Não, é uma linha de apoio – disse ele.
– Uma linha de apoio? Para onde? Para quê? – perguntou Charlotte, incrédula.
– Adolescentes com problemas.
– Podia ser um pouco mais específico? – incitou Charlotte na mais doce voz de aprendiz que conseguiu imitar. – Caso não tenha percebido, todos os adolescentes têm problemas.
Markov era um homem impaciente, com dificuldade em tolerar comentários sarcásticos da parte de quem estava sob a sua alçada, mas, vendo a perplexidade de todos os estagiários, sentiu-se na obrigação de ser mais explícito.
– Já alguma vez discutiram convosco mesmos? – perguntou.
– A toda a hora – respondeu Suzy Arranhadora com uma expressão pensativa.
– Dentro da nossa própria cabeça, é isso? – perguntou Pam, apreendendo o conceito primeiro do que os outros.
– Precisamente – confirmou o senhor Markov. – Serão a voz dentro da cabeça de outras pessoas. Quando elas estiverem com medo ou confusas ou quando se sentirem sozinhas ou estiverem a
ponderar tomar uma atitude impensável, o vosso telefone tocará.
– Uma espécie de mentor que ajuda celebridades a manterem-se sóbrias? – perguntou CoCo numa voz animada, deixando entrever, uma vez mais, a sua anterior dependência em relação aos tablóides.
– Será a vossa oportunidade de serem úteis, de praticarem o bem e de transmitirem aos outros o que aprenderam – acrescentou Markov.
– Vai ser muito fixe voltar a falar com pessoas vivas! – exclamou Charlotte, revelando que não estava a compreender a situação.
– Não vão propriamente falar com elas, Usher – corrigiu ele.
– Funcionarão mais como a sua…
– Como a sua consciência – interrompeu Charlotte, provando que entendera melhor do que parecera.
– Exactamente – disse Markov.
[...]»